quinta-feira, 9 de julho de 2009

Por um novo pensamento político: Críticas ao liberalismo e ao libertarianismo

A partir do final da década de 1960, com a revolução na tecnologia da informação, inicia-se uma transição no pensamento político. No início da década de 1990, com a queda do Muro do Berlim e o fim da URSS, essa transição se consolida e podemos efetivamente traçar um novo paradigma para a ciência política: a questão democrática num contexto de globalização.

Para muitos, esta transição pareceu ser a afirmação da supremacia do pensamento liberal. No entanto, foi, na verdade, a consolidação da questão democrática como modelo de desenvolvimento.

De fato, sem a garantia de certas liberdades econômicas e, principalmente, políticas, não há progresso. Mas esta afirmação apenas consolida a noção de democracia. Por isso, há três matrizes centrais da ciência política contemporênea para responder aos anseios democráticos: o libertarianismo, o liberalismo e o comunistarimo.


O libertarianismo, também chamado de neoliberalismo, foi a fusão do modelo econômico defendido pela Escola de Chicago, e implantado pelos governos Margaret Thatcher (1979-90) e Ronald Regan (1981-89), com o modelo político da democracia liberal. Parte de uma visão individualista e atomicista da sociedade, sendo formada por pessoas egoístas que, ao buscar o seu próprio crescimento, levam a sociedade inteira ao desenvolvimento. Defendendo o clássico laizzes-faire, afirma que quanto mais liberdade, maior desenvolvimento a sociedade terá. Assim, há a volta da clássica dicotomia entre igualdade e liberdade. Para que a última seja máxima, a primeira deve ser vista sob uma perspectiva meramente formal.

Por outro lado, o liberalismo, tem como preocupação central a justiça. Assim, afirma Olivier Nay:
"O debate sobre justiça é animado por autores de sensibilidade liberal (chamam-se assim, nos Estados Unidos, os intelectuais que, ao mesmo tempo em que aceitam a sociedade de mercado, se mobilizam para que os direitos dos mais fracos sejam protegidos, ao contrário dos neoliberais e dos libertários, que rejeitam categoricamente todo entrave às regras de mercado). Eles se encontram em torno de três objetivos: proteger a liberdade individual; lutar contra o crescimento das desigualdades de situação; enfim, promover a igualdade de oportunidades e permitir que todos os indivíduos, sem exceção, alcancem as posições mais elevadas na sociedade".

Sem dúvida, o mais importante autor liberal é John Rawls. Para ele, a noção de justiça não consiste em promover a igualdade absoluta entre os homens e limitar a liberdade ao mínimo (como defende o marxismo). Ele defende a busca da equidade (fairness) onde os dois princípios, da igualdade e da liberdade, se conciliariam para impedir, de um lado, o excesso de desigualdades, daquelas que são inaceitáveis, e de outro, a destruição de certas liberdade, que são essenciais para o desenvolvimento humano. Para isso, ele cria o modelo metafísico do véu da ignorância. Portanto, percebe-se em Rawls, uma postulado estritamente individualista, uma pretensão universalista e um papel central em torno dos princípios formais de igualdade e liberdade.

Em contraposição a estes dois modelos, diversas críticas foram feitas. Sem esquecer da grandeza de autores como Jürgen Habermas, Ronald Dworkin e Charles Taylor, gostaria de frizar no pensamento de dois autores em particular: Michael Walzer (professor da Princeton University) e Amitai Etzioni (professor de sociologia da The George Washington University).

Para Walzer, a teoria da justiça de Rawls erra no instante em que, através de princípios metafísicos, cria uma noção de justiça completamente abstrata e idealista. Assim, em primeiro lugar, a sociedade não pode ser resumida a um conjunto de indivíduos, mais do que isso, é formada por grupos e comunidades menores. Em segundo lugar, o indivíduo real apresenta diversas esferas de atividade: o sistema de trocas econômicas, o mundo da pesquisa e do saber, as instituições religiosas, o campo da educação, o domínio da saúde, a família, o trabalho etc. Cada indivíduo evolui e constrói de forma diferente cada um destes campos. Mais do que isso, são visadas diversas espécies de bens, não apenas o dinheiro, como ainda o poder, o conhecimento, o reconhecimento social, o amor etc. Portanto, a noção de igualdade e liberdade não têm a mesma natureza em todas essas esferas. Em cada esfera, cada noção destas ganha uma significação diferente. Assim, o princípio da liberdade, por exemplo, não faz muito sentido no campo da saúde individual, por sua vez, é percebido como essencial nas relações econômicas e políticas.

Com isso, um fator de preocupação para Walzer é o crescimento excessivo de uma esfera e a tendência desta a dominar as outras, um exemplo disso: a mercantilização da sociedade. A valorização da acumulação em riquezas no mercado é algo natural, no entanto quando esta acumulação ganha centralidade em outras esferas como a educação, a saúde ou a política, acaba gerando disfunções como a corrupção e a precarização de diversos setores. A crítica do professor de Princeton é feita abertamente e principalmente ao pensamento libertariano mas também é grande à filosofia utilitarista da John Rawls.

O pensamento comunitarista, corroborando as últimas críticas, vai além destas. Amitai Etzioni, que criou o termo "comunistarismo" propõe um conjunto de reformas sociais e políticas baseadas na perspectiva comunistarista. Assim, a sociedade se baseia em três pilares: o poder (coação), as trocas (o interesse) e a moral (os valores).

Frente a uma sociedade fundada exclusivamente nas trocas (no comércio) e no poder (nas instituições), forma-se um vazio moral. Dissolvem-se, com isso, os laços de solidariedade que formam as comunidades. A boa sociedade (em divergência à sociedade justa, como propõe os liberais) combina e concilia três setores: o Estado, o setor privado e as comunidades. Cada um deles refletindo uma parte da humanidade de cada ser humano.

As comunidades seriam, não sistemas sociais fechados, mas abertos e permeáveis. Assim, deveria ser trabalhado um modelo de mosaico, como explica ainda Olivier Nay:
"O mosaico é constituído por uma multidão de fragmentos que têm, cada um, sua cor própria, mas que parmanecem juntos por formça de um cimento comum. (...) O cimento que as liga é o "núcleo de valores partilhados" sem o qual nenhum grupo vê o sentido de viver junto. Nesta perspectiva, a sociedade ideal é, para Etzioni, uma "comunidade de comunidades" na qual o laço entre os diversos componentes é pelo menos tão forte como o que une os membros no interior de cada um deles".

Desejando reconstruir a vida moral, ele defende que esses valores não são pré-estabelecidos. Eles se formam com um diálogo moral, discussões abertas sobre os princípios e regras que concilie os direitos e deveres de todos.

Por fim, os multiculturalistas, apenas divergindo da perspectiva comunitarista em poucas aspectos, defendem não uma política de busca da "boa sociedade" fundada em valores morais compartilhados. A ambição destes estudiosos é pelo reconhecimento de direitos que protejam as identidades sociais e culturais.

Dessa maneira, as maiores críticas às doutrinas individualistas (atomicistas) está presente nas afirmações teses comunitaristas e multiculturalista que hoje ganham espaço e em diversos momento se confundem. Assim, o indivíduo não pode ser visto como um ser isolado, tão pouco sua personalidade se constrói de maneira íntegra. Cada homem possui diversos sistemas internos que se desenvolvem de forma autônoma, cada esfera buscando bens específicos e, mais do que isso, se manifestando dependendo do ambiente no qual se insere o indivíduo.

Ademais, o só pode se desenvolver cada um destes sistemas internos em comunidades abertas, nunca de maneira isolada. Assim, por exemplo, só desenvolve seu "sistema de trocas" através do trabalho onde vigoram certos valores e há uma busca é por bens específicos, como a remuneração financeira. Passando, para outra esfera, como o "mundo da pesquisa e do saber", os bens visados e as formas de sucesso mudam completamente.

Da mesma forma que o indivíduo não deve ser marcado pelo desenvolvimento excessivo de uma dessas esferas, fazendo com que busque de maneira excessiva o poder, o reconhecimento ou os bens financeiros, a sociedade também não deve mercantilizar o Estado ou as comunidades, cada um preenche o espaço específico, único e necessário para a humanidade. Deve-se, portanto, garantir e incentivar a formação de comunidades abertas e unidas por valores morais que se formam a partir do debate entre iguais, da livre opinião e da conciliação de interesses individuais e coletivos.

domingo, 26 de abril de 2009

Globalização e Contemporaneidade

Há muito tempo penso em escrever um artigo cujo tema central seja a globalização (ou as globalizações). Afinal, esta palavra é uma das mais repetidas cotidianamente e é também a mais abstrata em significado. Globalizar-se significa exatamente o que? Há apenas uma ou múltiplas globalizações? Qual a origem deste processo e para onde ele nos levará? Lendo o mais recente livro de Anthony Giddens “Mundo em Descontrole”, decidi iniciar a redação deste artigo.

Sem dúvidas, discutir esse tema, ou pelo menos refleti-lo, é uma necessidade para lidar da maneira adequada com os novos tempos, tanto na esfera pública como na privada. Estado, mercados e indivíduos são remodelados por esse processo a todo o momento. Temos de compreender a história, a fim de fazer história.



A partir do Iluminismo, o mundo reencontrou-se com a ciência. E com a difusão do pensamento racionalista, criamos novos conceitos. Passamos então a entender a razão e o pensamento científico como instrumentos de redenção para a humanidade.
Assim, escolas diferentes, amiúde opostas, tanto da sociologia, como da filosofia e da ciência política começaram a prever um mundo controlado. Uma nova realidade seria traçada pela razão e pelo conhecimento científico, uma esfera onde tudo poderia ser previsto e tudo então estaria em ordem. Todos creram nisso e seu estopim se deu através da conjunção da administração científica (taylorismo) com os sistemas políticos autoritários. A Europa foi dominada, começando em Portugal e indo até a Alemanha. Este novo modelo político ganhou força ainda na América do Sul, no Brasil e Argentina.

Algo deu errado nessa construção. Hoje vivemos não mais um mundo em controle, vivemos num mundo em descontrole. Estamos ameaçados pela destruição ambiental, pelo terrorismo, pelo fundamentalismo, pela violência cotidiana e pelas incertezas, em suma, pela liquidez da vida moderna, como trabalha brilhantemente Zygmunt Bauman.

Esse processo de modificação da sociedade que cria um novo paradigma é justamente a globalização. Ao mesmo tempo, muitos grupos inconformados atacam este processo. De um lado, a velha esquerda, de outro, a velha direita. Para o primeiro grupo, a noção de globalização “é uma ideologia espalhada por adeptos do livre mercado que desejam demolir sistemas de previdência social e reduzir as despesas do Estado”[1]. Para o segundo, a ameaça é frontal sobre a família e sobre as tradições. E, completam eles, em resposta a esse processo, os governos devem continuar capazes de exercer controle, caso não consigam, devem retomar as rédeas através da ampliação do poder estatal.

Por muitos a globalização ainda é vista como um “fenômeno quase exclusivamente em termos econômicos. Isso é um erro. A globalização é política, tecnológico e cultural, tanto quanto econômica. Foi influenciada acima de tudo por desenvolvimentos nos sistemas de comunicação que remontam apenas ao final da década de 1960”[2].

Por tudo isso, acabamos criando dois mundos: um mundo real, físico e concreto e outro virtual e abstrato. Exemplifico a tal existência através de dois exemplos. Para a maior parte da humanidade, um milhão de dólares é muito dinheiro. Isso são dez mil notas de cem dólares. Podemos, com muito esforço, estocar esse dinheiro numa mala, por exemplo. Por outro lado, uma pilha de um trilhão de dólares – um milhão de milhões – teria mais de 193 quilômetros de altura, vinte vezes mais que o monte Everest. Agora, se analisarmos o montante de dinheiro que é movimentado a cada dia nos mercados globais, perceberemos que este valor será muito mais que um trilhão de dólares. Assim, embora seja movimentado todo esse dinheiro, ele não existe concretamente, é virtual.

A incerteza surge da conexão. A interação, muito complexa e difícil, desses dois mundos completamente diferentes talvez seja um dos motivos deste mundo em descontrole. A crise financeira atual demonstra isso, a crise asiática e desestabilização econômica de diversas nações, que aparentavam apresentar grande solidez, comprova como a interação entre estes dois mundos é conturbada.

Embora tenha citado apenas um exemplo econômico, a globalização possui um impacto imensurável na vida privada dos cidadãos. Desde as relações interpessoais até o sentimento de pertencimento são completamente transformados. Um exemplo citado por Giddens é marcante:
“Quando a imagem de Nelson Mandela pode ser mais familiar para nós que o rosto do nosso vizinho de porta, alguma coisa mudou na natureza da experiência cotidiana”.
A partir disso, podemos pensar na globalização como um sistema de múltiplas vias, como defende Boaventura de Sousa Santos. Não há apenas uma globalização, mas múltiplias globalizações ocorrendo no mundo. E não podemos mais considerar que os Estados sejam os únicos ou mais relevantes agentes desse processo. Com certeza, a imagem de Osama Bin Laden é muito mais recorrente ou conhecida nos Estados Unidos da América do que a imagem de muitos deputados eleitos pelo próprio povo. Da mesma forma, investidores globais podem hoje influenciar muito mais a economia norte-americana do que prefeitos eleitos. O mundo está realinhando a divisão de poderes e, com isso, o conceito de divisão internacional do trabalho, que outrora se aplicava perfeitamente à geopolítica mundial, hoje perde espaço.

O sociólogo norte-americano Daniel Bell delineia de forma bastante pertinente essa nova realidade para os Estados nacionais, ao afirmar que a nação se torna não só pequena demais para resolver os grandes problemas, como também grande demais para resolver os pequenos.
Muitos autores acreditam no fim dos Estados nacionais nessa nova realidade. Acredito que isso seja um erro. De forma nenhuma os Estados nacionais tendem a desaparecer, ao contrário, tendem a ganhar cada vez mais corpo, a diferença é que é um corpo definido e delimitado. Assim, o Estado é, cada vez mais, um regulamentador da atividade econômica, por exemplo, não um controlador. E ainda, amplia sua função como garantidor dos direitos humanos. Ou seja, há um movimento em dois sentidos, em algumas esferas antes controladas pelo Estado, este ente desapareceu. Em outras, o Estado passou a ser o centro.

Outra conseqüência da globalização é o ressurgimento de nacionalismos e desejos de reconhecimento. Isso ocorreu em razão da delimitação da esfera pública e da esfera individual, com a restrição da intervenção estatal na esfera privada. Com a globalização, de forma nenhuma os nacionalismo se extinguirão, muito contrário, a tendência é o surgimento de novos nacionalismos.

Mesmo assim, a mudança é categórica: não haverá mais nacionalismos surgindo a partir de instituições como o Estado ou por desejos de expansão territorial. Os nacionalismos tendem a se formar em razão da formação de identidades, da luta pelo reconhecimento. O nacionalismo deixa de se formar pela esfera objetiva segundo o modelo de “um Estado, uma nação, um povo” e passa e se construir pela esfera subjetiva e pelas escolhas da formação de uma identidade. Assim, o nacionalismo pode ascender fora das fronteiras nacionais correspondentes, por exemplo, é bastante comum que turcos imigrantes na Alemanha adotem perspectivas nacionalistas, enquanto muitos turcos que vivem na Turquia se cosmopolitizem.

Por tudo isso, não podemos mais ver a globalização como um processo restrito à ordem financeira. A globalização afeta tanto nossas vidas que modifica o conceito de identidade individual de todos os seres humanos no planeta e mais do que isso, como explica Giddens, ao reduzir a influência das tradições e costumes na vida cotidiana acaba aumentando a ansiedade individual criando novos vícios.

Como resposta, não podemos simplesmente negar esse processo, muito menos tentar fugir dessa tendência. É necessário que nos integremos ao mundo interdependente da maneira mais responsável e cautelosa possível, defendendo a cultura nacional e protegendo as culturas regionais e locais. Da mesma forma, o livre comércio, embora não seja um benefício absoluto, deve ser perseguido e promovido, sem euforia e de maneira gradual, para que os impactos negativos sejam os menores possíveis, não destruindo as economias de subsistência, por exemplo.

É ainda importante que tenhamos em vista o fato de que o processo de globalização não é um caminho linear, há momentos que precisamos adotar medidas protecionistas. No entanto, essas precisam ser temporárias e nunca permanentes.

Viveremos num mundo de incertezas, no entanto, neste admirável mundo novo ao contrário as oportunidades se multiplicarão com extrema velocidade. Os líderes políticos não poderão mais trabalhar de forma isolada, no entanto, serão a chave do progresso da humanidade, caso operacionalizem suas ações de forma multilateral e coordenada. Um novo tempo está por vir, e não podemos encarar o futuro como um problema, tão pouco como uma solução. Devemos vê-lo tal qual se apresenta: como um desafio.

[1] Giddens, Anthony. Mundo em Descontrole. Tradução de Maria Luiza X. de A. Borges. – 6ª Ed. – Rio de Janeiro: Record, 2007.
[2] Giddens, Anthony. Mundo em Descontrole. Tradução de Maria Luiza X. de A. Borges. – 6ª Ed. – Rio de Janeiro: Record, 2007.

sábado, 7 de março de 2009

A verdadeira herança maldita

Há muito se discute qual a herança maldita de nosso país, ou seja, qual o maior problema legado por nossos antepassados que impede ou dificulta em muito o desenvolvimento.

Diversos intelectuais afirmam ter sido o "sistema de colonização de exploração" o fato que mais atrasou o desenvolvimento nacional, ou seja, em consequência deste sistema somos hoje um país ainda em desenvolvimento. Outros, por sua vez, defendem ser a dívida externa o maior problema herdado pelas gerações presentes. As respostas são múltiplas mas um ponto bastante comum em grande parte delas é a defesa que o maior problema foi imposto por nações estrangeiras ao nosso país. Para a primeira resposta, o responsável pela nossa condição seria Portugal e a herença de suas décadas de colonização "errada", como se existisse um jeito correto de ser colonizar nações; para a segunda resposta, o fato se deve ao recebimento de dívida externa por parte da Inglaterra, desde o início, com a independência.

Na verdade, a dívida externa brasileira já foi saldada várias vezes. Ademais, dificilmente encontraremos no mundo um país que tenha crescido economicamente sem investimentos externos.

Da mesma forma, a colonização, um sistema autoritário e repulsivo de dominação, nunca foi aplicado com a mesma mão de ferro no Brasil do que o fora em outras nações latino-americanas ou africanas. É bom lembrar ainda que a relação metrópole-colônia já se confundia desde o início do século XIX, assim, o Rio de Janeiro foi por anos a capital do Império e o grande destinatário dos investimentos da Coroa portuguesa. Quando declarou a independência, Portugal sequer criou grandes dificuldades a este processo, reconhecendo poucos anos depois a soberania do Brasil.

Se houver ainda dúvidas, basta pensar em grandes construções como o Theatro Municipal do Rio de Janeiro, o Jardim Botânico do Rio de Janeiro ou mesmo a Biblioteca Nacional, hoje a sétima maior biblioteca nacional do mundo e maior da América Latina. Todas essas construções foram realizadas durante o período de colonização. Não só no Rio de Janeiro, como ainda, em Minas Gerais, por exemplo, grande parte das Igrejas de Ouro Preto ou o Theatro Municipal de Ouro Preto, o mais antigo teatro da América Latina. Estas são também heranças do sistema de colonização adotado por Portugal. Sem dúvida, todo o sistema de colonização e dominação de outros povos é um sistema a ser veementemente repudiado, no entanto, atribuir a sistema os males do presente, acredito que seja uma forma de, mais do que distorcer a história, negar a responsabilidade que todos os cidadãos têm sobre o presente.

O grande mal do Brasil, a verdadeira herança maldita, que, infelizmente, até hoje não conseguimos superar plenamente foi a escravidão. Uma opção feita pelo Brasil e não seguida ou defendida, por exemplo, por Portugal ou pela Inglaterra. Mais do que isso, não adotada por nenhum país da Europa.

Se hoje percebemos uma população de miseráveis, principalmente formada por negros, como o grande exemplo da falta de desenvolvimento, sem dúvida, podemos atribuir à escravidão e à falta de promoção de uma política especial aos mais prejudicados deste sistema, os negros.

Quase todos os países da Europa foram, em algum momento, desde 1500, dominados por potências estrangeiras. Desde Portugal até a Alemanha foram ocupados por exércitos de outros países. No entanto, nenhum destes, jamais teve a coragem de adotar um sistema escravocrata de trabalho.

Charles Darwin, biólogo inglês autor do livre Sobre a Origem das Espécies, ao visitar o Brasil ficou tão chocado e enojado pelo sistema de trabalho aqui adotado que, ao ser convidado a viajar para os Estados Unidos da América em 1845, por um amigo, recusou o convite e anotou em seu Journal:
"Agradeço a Deus nunca mais ter de visitar um país escravogista. Até hoje, quando ouço um grito distante, ele me faz lembrar com dolorosa vivacidade meus sentimentos, quando, passando em frente a uma casa próxima de Pernambuco, eu ouvi os mais penosos gemidos, e não podia suspeitar que pobres escravos estavam sendo torturados. Perto do Rio de Janeiro eu morava em frente à casa de uma velha senhora que mantinha torniquetes de metal para esmagar os dedos das escravas. Eu fiquei em uma casa em que um jovem caseiro mulato, diariamente e de hora em hora, era vituperado, espancado e perseguido o suficiente para arrasar com o espírito de qualquer animal. Eu vi um garotinho, de seis ou sete anos, ser castigado três vezes na cabeça com um chicote para cavalo (antes que eu pudesse interferir) por ter-me servido um copo de água que não estava muito limpo".

E a pergunta que ainda permanece: e os Estados Unidos, que adotaram também um sistema escravocrata e hoje são a maior potência global. Bem, acredito que a eleição de Barack Obama para presidência da República possa, de certa maneira, suscitar uma resposta.

Na década de 1850, os EUA podiam ser, pelo menos com relação ao sistema de trabalho, dividido entre o norte e o sul. O norte, que repudiava o trabalho escravo, e o sul que o praticava e o defendia.

A população do norte, que nunca viveu sob qualquer regime de escravidão, era quase o triplo da população do sul. Em 1861, explode a Guerra Civil Americana, o sul perde de forma drástica, a escravidão é destruída de forma drástica e substituída pelo sistema de trabalho de livre. Dois anos depois do início da guerra, ocorre a Proclamação de Emancipação onde a escravidão tem o seu fim consumado.

Não houve apenas uma declaração escrita de abolição da escravatura, houve uma guerra de destruição da escravidão. Este é um dos maiores exemplo de progresso dos EUA. Isso é algo que ainda falta ser alcançado pelo Brasil, acredito. Esse é o mal que devemos superar o quanto antes, emancipar de forma profunda a população negra do país. E o caminho, pode ser definido e trabalhado através do conceito de radicalização democrática. O caminho da terceira via.

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Conservação das vias urbanas. Fonte da Saudade.

Estava passando hoje de bicicleta em um espaço de ciclovia na Fonte da Saudade, Lagoa. De repente, me choco com uma árvore que ocupava praticamente toda o espaço da via de passagens de pedestres e bicicletas.






Em frente à Escola Municipal Pedro Ernesto, a árvore que começava no colégio, passava pelo muro e acabou por ocupar todo o espaço da via pública. Com isso, ninguém podia passar, os galhos das árvores tomaram tudo. Como se pode ver, as pessoas acabavam sendo obrigadas a desviar, praticamente sair da calçada para poder se locomover.

Desci de minha bicicleta e resolvi fazer minha parte para melhorar um pouco as condições de transporte e acesso em nossa cidade. Aparei os galhos da árvore de forma que possibilitassem a locomação das pessoas pela via pública. Ganhei alguns arronhões e me sujei bastante fazendo isso.

Depois de muito esforço e força para quebrar alguns galhos que impediam a circulação das pessoas, o espaço ficou aceitável.


Como se pode ver, o espaço antes incirculável, tornou-se um novo espaço, sem obstáculos. Onde as pessoas, podem novamente circular.

Por fim, o lixo orgânico, os galhos de árvores, folhas e frutos que acabaram sendo jogados na via urbana, de forma nenhuma foram deixados lá; ao contrário, foram recolhidos e jogado num lixo de entulhos.
O ideal mesmo seria que fossem utilizados como lixo orgânico e, devidamente reciclados. Infelizmente essa opção não se fez possível pois não existe um processo organizado de coleta seletiva na cidade.



Mais do que ser pessoas críticas, que entendam, reclamem e propunham soluções aos problemas
urbanos, os políticos, em especial, prefeitos e vereadores, deveriam ter uma qualidade central: empreendedorismo e realização de ações concretas. Precisamos desse realizações simples. Cuidar do básico é criar condições para desenvolver grandes projetos. Renovar o Rio começa com isso. Afinal, são atitudes simples que constróem realidades antes consideradas impossíveis.

domingo, 11 de janeiro de 2009

Agroturismo: uma idéia de Santa Catarina para o Rio

Em 1998 surgiu no Estado de Santa Catarina um projeto voltado para o desenvolvimento do turismo e da agricultura local: o projeto Acolhida na Colônia.

Me abstenho de explicar tal iniciativa com minhas palavras, assim, faço uso da descrição dos próprios organizadores do projeto:

"Somos uma associação de agricultores integrada à Rede Accueil Paysan (atuante na França desde 1987) que tem a proposta de valorizar o modo de vida no campo através do agroturismo ecológico.

Seguindo essa proposta, nós agricultores familiares de Santa Catarina abrimos nossa casa para o convívio do nosso dia-a-dia. O objetivo é compartilhar com você nosso saber fazer, nossas histórias e cultura, nossas paisagens... oferecemos hospedagens simples e aconchegantes com direito a conversas na beira do fogão a lenha, a tradicional fartura de nossas mesas e passeios pelo campo.

Cientes de nossa responsabilidade para com a natureza, praticamos e promovemos a agricultura orgânica como base do nosso trabalho, garantindo com isso uma alimentação saudável para nossas famílias e para você visitante".

Está certo que, hoje, a agropecuária representa apenas 0,4% do PIB estadual. No entanto, isso mostra uma boa capacidade de crescimento do setor, se aliado ao punjante turismo fluminense. Temos hoje alguma produção agrícola na Região Serrana e Norte Fluminense, que poderia crescer com o auxílio do turismo e com a concessão de incentivos estatais.

De forma nenhuma há aqui a tentativa ou o desejo de desenvolver uma agricultura forte no Estado do Rio, como há no Mato Grosso do Sul, em São Paulo ou no Paraná. Entretanto, o turismo ecológico hoje cresce e o Rio pode crescer neste sentido, ao mesmo tempo, gerando alguma riqueza, mesmo que pequena, para famílias que trabalhem com a agricultura.

Talvez até pudessemos pensar em modificar um pouco o projeto, fazendo com que ele abranja outras áreas, diferentes da agricultura, como as comunidades de pescadores ou aplicá-lo em áreas de praia. Sem dúvida geraria bons dividendos para o nosso Estado além de ser uma ótima oportunidade para famílias pobres e cidades pequenas que não oferecem muitas oportunidades.

sábado, 10 de janeiro de 2009

Ecologia e economia solidária

A Prefeitura de Niterói, na gestão de Godofredo Pinto (PT), inaugurou um novo projeto: a Escola Municipal de Meio Ambiente. Nela, cursos ensinam como construir aquecedor solar com garrafas PET e como transformar óleo em sabão.

A partir disso, as oportunidades são imensas: pode-se formar cooperativas de transformação de óleo em sabão para a posterior venda do novo produto ecológico em comércio populares. Além disso, com a construção de aquecedores solares, democratiza-se um conhecimento muito importante, principalmente, para a economia em áreas carentes.

Se o mesmo projeto fosse implementado na capital, na cidade do Rio de Janeiro, poderíamos colher bons frutos: formação de pequenas empresas ou cooperativas ecologicamente sustentáveis para a produção de aquecedores solar e de sabão, principalmente, nas favelas como parte de um programa maior de urbanização. Toda a formação destas cooperativas ou pequenas empresas poderia e deveria ser auxiliada pela Prefeitura do Rio.

Não se resume a isso, há ainda outras formas de conciliar ecologia e economia solidária: a formação de cooperativas de reciclagem. Hoje, na cidade do Rio já são várias e estão presentes em vários bairros.

Por fim, o projeto aplicado em Niterói, poderia formar voluntários capazes de ensinar alunos do ensino básico e médio o tema consciência e meio ambiente. Sem dúvida, um assunto de grande relevância para o futuro.

Não, erro ao dizer isso, deveria dizer apenas: um assunto de grande relevância. Não só para o futuro, como também para o presente.

Construção de novos museus

Saiu na revista The Economist de Dezembro de 2008/Janeiro de 2009 um artigo bastante interessante entitulado "A farra da construção de novos museus". Nele, a questão da explosão da construção de museus é abordada, seus impactos positivos e negativos são relatados. No entanto, farei aqui uma exposição um pouco mais aprofundada sobre o tema construção de novos museus, tema tão importante pra cultura e turismo do Rio de Janeiro.

O texto começa reconhecendo o sucesso do Museu Guggenheim na cidade espanhola de Bilbao. Construído em 1997, pelo prêmio Nobel de Arquitetura, Frank Gehry, foi erguido na capital da província de Biscaia, no País Basco, na Espanha.

Bilbao é um cidade de 353 mil habitantes (Instituto Nacional de Estatísticas da Espanha, 2008), altamente industrializada tendo como atividades secundárias importantes a mineração e siderurgia. Possui ainda um importante porto, sendo um dos cinco mais importantes da Europa, transportando cerca de 70 mil passageiros anualmente.

Com a construção do Museu Guggenheim na cidade Bilbao, o turismo cresceu de maneira explosiva, fazendo com que, em 2007, 623 mil turistas fossem a esta cidade.

Sem dúvida, a construção de um museu reconhecido internacionalmente, como o Guggenheim, é um grande indutor do turismo, uma realização importante de propaganda para qualquer cidade. Não só isso, é um promotor do orgulho cívico da população local.

No entanto, devemos perceber a complexidade e as potencialidades da cidade. Mesmo antes da construção do famoso museu, a cidade já possuia uma economia bastante dinâmica e, além disso, era um pólo político importante na Espanha, já que era a capital da Comunidade Autônoma Basca.

Bilbao conta ainda com outros grandes exemplos de arquiteturas monumentais: a Casa Consistorial, o Palacio Euskalduna, o Palacio Chávarri e o Teatro Arriaga, além da arquitetura religiosa como a Catedral e a Basílica de Nuestra Señora de Begoña. Ademais, conta com a presença de outros museus como o Museu de Belas Artes, o Museu Arqueológico, Etnográfico e Histórico Vasco e o Museu Marítima Ría del Bibao.

Esse é um exemplo importante de sucesso para o Rio de Janeiro, um exemplo a ser seguido.

No entanto, cito acima as condições econômicas e populacionais da cidade de Bilbao porque o sucesso de museus e sua conseqüente promoção do desenvolvimento urbano não é uma regra. Assim afirma o autor do artigo, Emily Bobrow: "Os museus desfrutam de grande número de vistantes nos primeiros dois anos, mas depois a freqüência tende a cair".

Um exemplo deste insucesso está em Denver, onde Daniel Libeskind projetou um novo edifício no valor de US$ 110 milhões. Ocorreu grande explosão de visitantes em 2006, no entanto, esta presença depois diminuiu. Assim, restrições orçamentárias forçaram a casa a demitir funcionários.

Podemos ainda ressaltar um fato importante: o investimento privado, principalmente o realizado por ricos doadores, é ainda uma oportunidade de acumulação de capital para investimento em construção de novos museus ou na ampliação dos já existentes. Segundo a The Economist: "Ricos doadores privados têm ficado contentes por contribuir com grandes somas em troca de uma nova e glamourosa ala batizada com seus nomes. Mas as doações tendem a minguar depois que o museu é reaberto e os diretores precisam encontrar outras maneiras de atrair os turistas. Depois que a empolgação inicial acaba, os custos operacionais disparam".

Por fim, depois desta análise geral, passamos à análise regional das condições fluminenses. Hoje o Estado conta com uma rede atraente de museus, entre eles:
a) Museu Imperial de Petrópolis;
b) Museu Nacional de Belas Artes (MNBA);
c) Museu Histórico Nacional;
d) Museu Histórico da República;
e) Museu Chácara do Céu;
f) Museu de Arte Moderna (MAM);
g) Museu da Quinta da Boa Vista;
h) Museu de Arte Contemporânea (MAC);
i) Forte de Copacabana - Museu Histórico do Exército.

Para que o Rio possa competir e atrair cada vez mais turistas, precisa mais do que investir na ampliação desses museus (e aqui me refiro tanto em gastos públicos como em gastos privados), precisa integrá-los numa rede cultural, através de bilhetes e serviços de transporte.

Não só isso, precisamos aumentar, cada vez mais mais, a presença desses espaços públicos no
contidiano dos cidadãos. Através de incentivos a ida, principalmente, de estudantes aos museus do Estado, podemos conseguir aumentar a procura por museus, promover o desenvolvimento artístico e o amadurecimento da rede educacional fluminense. Afinal, não é só a escola a fonte de formação acadêmica dos alunos, a arte não pode faltar no curriculum.