quinta-feira, 9 de julho de 2009

Por um novo pensamento político: Críticas ao liberalismo e ao libertarianismo

A partir do final da década de 1960, com a revolução na tecnologia da informação, inicia-se uma transição no pensamento político. No início da década de 1990, com a queda do Muro do Berlim e o fim da URSS, essa transição se consolida e podemos efetivamente traçar um novo paradigma para a ciência política: a questão democrática num contexto de globalização.

Para muitos, esta transição pareceu ser a afirmação da supremacia do pensamento liberal. No entanto, foi, na verdade, a consolidação da questão democrática como modelo de desenvolvimento.

De fato, sem a garantia de certas liberdades econômicas e, principalmente, políticas, não há progresso. Mas esta afirmação apenas consolida a noção de democracia. Por isso, há três matrizes centrais da ciência política contemporênea para responder aos anseios democráticos: o libertarianismo, o liberalismo e o comunistarimo.


O libertarianismo, também chamado de neoliberalismo, foi a fusão do modelo econômico defendido pela Escola de Chicago, e implantado pelos governos Margaret Thatcher (1979-90) e Ronald Regan (1981-89), com o modelo político da democracia liberal. Parte de uma visão individualista e atomicista da sociedade, sendo formada por pessoas egoístas que, ao buscar o seu próprio crescimento, levam a sociedade inteira ao desenvolvimento. Defendendo o clássico laizzes-faire, afirma que quanto mais liberdade, maior desenvolvimento a sociedade terá. Assim, há a volta da clássica dicotomia entre igualdade e liberdade. Para que a última seja máxima, a primeira deve ser vista sob uma perspectiva meramente formal.

Por outro lado, o liberalismo, tem como preocupação central a justiça. Assim, afirma Olivier Nay:
"O debate sobre justiça é animado por autores de sensibilidade liberal (chamam-se assim, nos Estados Unidos, os intelectuais que, ao mesmo tempo em que aceitam a sociedade de mercado, se mobilizam para que os direitos dos mais fracos sejam protegidos, ao contrário dos neoliberais e dos libertários, que rejeitam categoricamente todo entrave às regras de mercado). Eles se encontram em torno de três objetivos: proteger a liberdade individual; lutar contra o crescimento das desigualdades de situação; enfim, promover a igualdade de oportunidades e permitir que todos os indivíduos, sem exceção, alcancem as posições mais elevadas na sociedade".

Sem dúvida, o mais importante autor liberal é John Rawls. Para ele, a noção de justiça não consiste em promover a igualdade absoluta entre os homens e limitar a liberdade ao mínimo (como defende o marxismo). Ele defende a busca da equidade (fairness) onde os dois princípios, da igualdade e da liberdade, se conciliariam para impedir, de um lado, o excesso de desigualdades, daquelas que são inaceitáveis, e de outro, a destruição de certas liberdade, que são essenciais para o desenvolvimento humano. Para isso, ele cria o modelo metafísico do véu da ignorância. Portanto, percebe-se em Rawls, uma postulado estritamente individualista, uma pretensão universalista e um papel central em torno dos princípios formais de igualdade e liberdade.

Em contraposição a estes dois modelos, diversas críticas foram feitas. Sem esquecer da grandeza de autores como Jürgen Habermas, Ronald Dworkin e Charles Taylor, gostaria de frizar no pensamento de dois autores em particular: Michael Walzer (professor da Princeton University) e Amitai Etzioni (professor de sociologia da The George Washington University).

Para Walzer, a teoria da justiça de Rawls erra no instante em que, através de princípios metafísicos, cria uma noção de justiça completamente abstrata e idealista. Assim, em primeiro lugar, a sociedade não pode ser resumida a um conjunto de indivíduos, mais do que isso, é formada por grupos e comunidades menores. Em segundo lugar, o indivíduo real apresenta diversas esferas de atividade: o sistema de trocas econômicas, o mundo da pesquisa e do saber, as instituições religiosas, o campo da educação, o domínio da saúde, a família, o trabalho etc. Cada indivíduo evolui e constrói de forma diferente cada um destes campos. Mais do que isso, são visadas diversas espécies de bens, não apenas o dinheiro, como ainda o poder, o conhecimento, o reconhecimento social, o amor etc. Portanto, a noção de igualdade e liberdade não têm a mesma natureza em todas essas esferas. Em cada esfera, cada noção destas ganha uma significação diferente. Assim, o princípio da liberdade, por exemplo, não faz muito sentido no campo da saúde individual, por sua vez, é percebido como essencial nas relações econômicas e políticas.

Com isso, um fator de preocupação para Walzer é o crescimento excessivo de uma esfera e a tendência desta a dominar as outras, um exemplo disso: a mercantilização da sociedade. A valorização da acumulação em riquezas no mercado é algo natural, no entanto quando esta acumulação ganha centralidade em outras esferas como a educação, a saúde ou a política, acaba gerando disfunções como a corrupção e a precarização de diversos setores. A crítica do professor de Princeton é feita abertamente e principalmente ao pensamento libertariano mas também é grande à filosofia utilitarista da John Rawls.

O pensamento comunitarista, corroborando as últimas críticas, vai além destas. Amitai Etzioni, que criou o termo "comunistarismo" propõe um conjunto de reformas sociais e políticas baseadas na perspectiva comunistarista. Assim, a sociedade se baseia em três pilares: o poder (coação), as trocas (o interesse) e a moral (os valores).

Frente a uma sociedade fundada exclusivamente nas trocas (no comércio) e no poder (nas instituições), forma-se um vazio moral. Dissolvem-se, com isso, os laços de solidariedade que formam as comunidades. A boa sociedade (em divergência à sociedade justa, como propõe os liberais) combina e concilia três setores: o Estado, o setor privado e as comunidades. Cada um deles refletindo uma parte da humanidade de cada ser humano.

As comunidades seriam, não sistemas sociais fechados, mas abertos e permeáveis. Assim, deveria ser trabalhado um modelo de mosaico, como explica ainda Olivier Nay:
"O mosaico é constituído por uma multidão de fragmentos que têm, cada um, sua cor própria, mas que parmanecem juntos por formça de um cimento comum. (...) O cimento que as liga é o "núcleo de valores partilhados" sem o qual nenhum grupo vê o sentido de viver junto. Nesta perspectiva, a sociedade ideal é, para Etzioni, uma "comunidade de comunidades" na qual o laço entre os diversos componentes é pelo menos tão forte como o que une os membros no interior de cada um deles".

Desejando reconstruir a vida moral, ele defende que esses valores não são pré-estabelecidos. Eles se formam com um diálogo moral, discussões abertas sobre os princípios e regras que concilie os direitos e deveres de todos.

Por fim, os multiculturalistas, apenas divergindo da perspectiva comunitarista em poucas aspectos, defendem não uma política de busca da "boa sociedade" fundada em valores morais compartilhados. A ambição destes estudiosos é pelo reconhecimento de direitos que protejam as identidades sociais e culturais.

Dessa maneira, as maiores críticas às doutrinas individualistas (atomicistas) está presente nas afirmações teses comunitaristas e multiculturalista que hoje ganham espaço e em diversos momento se confundem. Assim, o indivíduo não pode ser visto como um ser isolado, tão pouco sua personalidade se constrói de maneira íntegra. Cada homem possui diversos sistemas internos que se desenvolvem de forma autônoma, cada esfera buscando bens específicos e, mais do que isso, se manifestando dependendo do ambiente no qual se insere o indivíduo.

Ademais, o só pode se desenvolver cada um destes sistemas internos em comunidades abertas, nunca de maneira isolada. Assim, por exemplo, só desenvolve seu "sistema de trocas" através do trabalho onde vigoram certos valores e há uma busca é por bens específicos, como a remuneração financeira. Passando, para outra esfera, como o "mundo da pesquisa e do saber", os bens visados e as formas de sucesso mudam completamente.

Da mesma forma que o indivíduo não deve ser marcado pelo desenvolvimento excessivo de uma dessas esferas, fazendo com que busque de maneira excessiva o poder, o reconhecimento ou os bens financeiros, a sociedade também não deve mercantilizar o Estado ou as comunidades, cada um preenche o espaço específico, único e necessário para a humanidade. Deve-se, portanto, garantir e incentivar a formação de comunidades abertas e unidas por valores morais que se formam a partir do debate entre iguais, da livre opinião e da conciliação de interesses individuais e coletivos.

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