sábado, 7 de março de 2009

A verdadeira herança maldita

Há muito se discute qual a herança maldita de nosso país, ou seja, qual o maior problema legado por nossos antepassados que impede ou dificulta em muito o desenvolvimento.

Diversos intelectuais afirmam ter sido o "sistema de colonização de exploração" o fato que mais atrasou o desenvolvimento nacional, ou seja, em consequência deste sistema somos hoje um país ainda em desenvolvimento. Outros, por sua vez, defendem ser a dívida externa o maior problema herdado pelas gerações presentes. As respostas são múltiplas mas um ponto bastante comum em grande parte delas é a defesa que o maior problema foi imposto por nações estrangeiras ao nosso país. Para a primeira resposta, o responsável pela nossa condição seria Portugal e a herença de suas décadas de colonização "errada", como se existisse um jeito correto de ser colonizar nações; para a segunda resposta, o fato se deve ao recebimento de dívida externa por parte da Inglaterra, desde o início, com a independência.

Na verdade, a dívida externa brasileira já foi saldada várias vezes. Ademais, dificilmente encontraremos no mundo um país que tenha crescido economicamente sem investimentos externos.

Da mesma forma, a colonização, um sistema autoritário e repulsivo de dominação, nunca foi aplicado com a mesma mão de ferro no Brasil do que o fora em outras nações latino-americanas ou africanas. É bom lembrar ainda que a relação metrópole-colônia já se confundia desde o início do século XIX, assim, o Rio de Janeiro foi por anos a capital do Império e o grande destinatário dos investimentos da Coroa portuguesa. Quando declarou a independência, Portugal sequer criou grandes dificuldades a este processo, reconhecendo poucos anos depois a soberania do Brasil.

Se houver ainda dúvidas, basta pensar em grandes construções como o Theatro Municipal do Rio de Janeiro, o Jardim Botânico do Rio de Janeiro ou mesmo a Biblioteca Nacional, hoje a sétima maior biblioteca nacional do mundo e maior da América Latina. Todas essas construções foram realizadas durante o período de colonização. Não só no Rio de Janeiro, como ainda, em Minas Gerais, por exemplo, grande parte das Igrejas de Ouro Preto ou o Theatro Municipal de Ouro Preto, o mais antigo teatro da América Latina. Estas são também heranças do sistema de colonização adotado por Portugal. Sem dúvida, todo o sistema de colonização e dominação de outros povos é um sistema a ser veementemente repudiado, no entanto, atribuir a sistema os males do presente, acredito que seja uma forma de, mais do que distorcer a história, negar a responsabilidade que todos os cidadãos têm sobre o presente.

O grande mal do Brasil, a verdadeira herança maldita, que, infelizmente, até hoje não conseguimos superar plenamente foi a escravidão. Uma opção feita pelo Brasil e não seguida ou defendida, por exemplo, por Portugal ou pela Inglaterra. Mais do que isso, não adotada por nenhum país da Europa.

Se hoje percebemos uma população de miseráveis, principalmente formada por negros, como o grande exemplo da falta de desenvolvimento, sem dúvida, podemos atribuir à escravidão e à falta de promoção de uma política especial aos mais prejudicados deste sistema, os negros.

Quase todos os países da Europa foram, em algum momento, desde 1500, dominados por potências estrangeiras. Desde Portugal até a Alemanha foram ocupados por exércitos de outros países. No entanto, nenhum destes, jamais teve a coragem de adotar um sistema escravocrata de trabalho.

Charles Darwin, biólogo inglês autor do livre Sobre a Origem das Espécies, ao visitar o Brasil ficou tão chocado e enojado pelo sistema de trabalho aqui adotado que, ao ser convidado a viajar para os Estados Unidos da América em 1845, por um amigo, recusou o convite e anotou em seu Journal:
"Agradeço a Deus nunca mais ter de visitar um país escravogista. Até hoje, quando ouço um grito distante, ele me faz lembrar com dolorosa vivacidade meus sentimentos, quando, passando em frente a uma casa próxima de Pernambuco, eu ouvi os mais penosos gemidos, e não podia suspeitar que pobres escravos estavam sendo torturados. Perto do Rio de Janeiro eu morava em frente à casa de uma velha senhora que mantinha torniquetes de metal para esmagar os dedos das escravas. Eu fiquei em uma casa em que um jovem caseiro mulato, diariamente e de hora em hora, era vituperado, espancado e perseguido o suficiente para arrasar com o espírito de qualquer animal. Eu vi um garotinho, de seis ou sete anos, ser castigado três vezes na cabeça com um chicote para cavalo (antes que eu pudesse interferir) por ter-me servido um copo de água que não estava muito limpo".

E a pergunta que ainda permanece: e os Estados Unidos, que adotaram também um sistema escravocrata e hoje são a maior potência global. Bem, acredito que a eleição de Barack Obama para presidência da República possa, de certa maneira, suscitar uma resposta.

Na década de 1850, os EUA podiam ser, pelo menos com relação ao sistema de trabalho, dividido entre o norte e o sul. O norte, que repudiava o trabalho escravo, e o sul que o praticava e o defendia.

A população do norte, que nunca viveu sob qualquer regime de escravidão, era quase o triplo da população do sul. Em 1861, explode a Guerra Civil Americana, o sul perde de forma drástica, a escravidão é destruída de forma drástica e substituída pelo sistema de trabalho de livre. Dois anos depois do início da guerra, ocorre a Proclamação de Emancipação onde a escravidão tem o seu fim consumado.

Não houve apenas uma declaração escrita de abolição da escravatura, houve uma guerra de destruição da escravidão. Este é um dos maiores exemplo de progresso dos EUA. Isso é algo que ainda falta ser alcançado pelo Brasil, acredito. Esse é o mal que devemos superar o quanto antes, emancipar de forma profunda a população negra do país. E o caminho, pode ser definido e trabalhado através do conceito de radicalização democrática. O caminho da terceira via.