quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Ortodoxia e heterodoxia em tempos de crise

Há poucos dias, o Congresso Nacional se dividiu com relação a um tema central que permeia o debate contemporâneo entre esquerda e direita: a redução ou manutenção dos gastos estatais em tempos de crise.

Todos têm consciência que a principal conseqüência da atual crise financeira norte-americana é a falta de liquidez internacional. Ou seja, os dólares que antes circulavam e se encontravam disponíveis para investimentos em nosso país, foram resgatados pelos investidores internacionais para pagar suas dívidas nos seus países de origem, voltando para os EUA e Europa.

Não há qualquer divergência sobre esta questão. No entanto, a forma de lidar com ela gera grandes debates entre os principais grupos que hoje polarizam e constroem um projeto nacional.

Podemos dividir o Congresso em dois campos: um, liderado pelo PT e acompanhado pelo Bloco de Esquerda (PSB - PDT - PCdoB - PRB - PMN); e outro, liderado pelo PSDB e acompanhado pelo Democratas e PPS. Enquanto este último defende a redução dos gastos do Estado neste cenário negativo; o primeiro defende a manutenção dos gastos atuais.

Uma declaração recente do senador Tasso Jereissati (PSDB) mostra bem aquela visão: "É preciso bom senso e realismo. E enfrentar os problemas sem querer fugir deles ou fingir que eles não existem. Como a receita vai despencar, é necessário que ele comece a pensar imediatamente em corte de gastos".

Apresenta-se aqui uma visão ortodoxa, matemática e realista: menos receita, menos gastos. Se o mercado desacelera, cabe ao Estado aceitar esta desaceleração, respeitá-la e quando o mercado se reaquecer, então o Estado voltará a ampliar os investimentos. O Estado influencia pouco o mercado.

Por outro lado, transcrevo uma defesa do presidente do PT, o deputado federal Ricardo Berzoini: "O mercado, que tem muitas virtudes, precisa de um estado forte e democrático para evitar que seus defeitos prejudiquem os menos favorecidos. O mercado comporta o risco, mas deve ter mecanismos eficazes de punição para quem só disponibiliza o risco para o emprego e a poupança do povo em razão da ambição alucinada dos ganhos de curto prazo".

Nesta passagem percebemos uma posição mais heterodoxa. O Estado é um elemento regulador e impulsor da economia. Ou seja, em momentos de crise: a) o Estado não pode deixar a população mais carente ter suas condições econômicas e sociais dificultadas; b) o Estado deve investir justamente no sentido contrário à crise para fazer o mercado voltar a um ciclo virtuoso.

A história já provou o sucesso e fracasso de ambas as posições em diferentes momentos. Por isso, é complicado defender intransigentemente qualquer das opções. Entretanto, eu defendo a manutenção dos gastos públicos por três fatores: a) o mundo hoje não é economicamente unipolar, os BRICs (Brasil, Rússia, Índia e China) continuam a crescer; b) o Brasil possui um mercado muito mais forte e estável que antes; c) o ciclo de desenvolvimento atual é sustentável e não pode ser freado.

Mesmo assim, cabe bem aqui lembrar Bertold Brecht: "A verdade é filha do tempo, não do autoritarismo". Só o tempo nos dirá quem estava certo.

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